O HOMEM E A ESSÊNCIA DO PECADO [1].
Santo Agostinho


Deus é a bondade absoluta e o homem é o réprobo miserável condenado à danação eterna e só recuperável mediante a graça divina. Eis a cerne da antropologia agostiana.

Para o Bispo de Hipona,o homem é uma criatura privelegiada na ordem das coisas. Feito a semelhança de Deus, desdobra-se em correspondência com as três pessoas da Trindade. As expressões dessa correspondência encontra-se nas três faculdades da alma. A memória, enquanto persistencia de imagens produzidaspela percepção sensìvel, corresponderia a à essência (Deus Pai), aquilo que é e nunca deixa de ser; a inteligência seria o correlato do verbo, razão ou verdade (Filho); finalmente, a vontade constituiria a expressão humana do amor (Espírito Santo), responsável pela criação do mundo.

De todas essas faculdades, a mais importante é a vontade, intervindo em todos os atos do espírito e constituindo o centro da personalidade humana. A vontade seria essencialmente criadora e livre, e nela tem raizes a possibilidade de o homem afastar-se de Deus. Tal afastamento significa, porém, distanciar-se do ser e caminhar para o não-ser, isto é, aproximar-se do mal. Reside aqui a essência do pecado, que de maneira alguma é nescessário e cujo único responsável seria o próprio livre-arbítrio da vontade humana.

O pecado é, segundo Agostinho, uma transgressão da lei divina, na medida em que a alma foi criada por Deus para reger o corpo, e o homem, fazendo mau uso do livre-arbítrio, inverte essa relação, subordinando a alma ao corpo e caindo na conscupisciência e na ignorância. Voltada para a matéria, a alma acaba por secar-se pelo contato com o sensível, dando a ele o pouco de substância que lhe resta, esvaindo-se mo não-ser e considerando-se a si mesma como um corpo.

No estado de decadência em que se encontra, a alma não pode salvar-se por suas próprias forças. A queda do homem é de inteira responsabilidade do livre-arbitrio humano, mas este não é suficiente para fazê-lo retornar às origens divinas. A salvação não é apenas uma questão de querer, mas de poder. E esse poder é privilégio de Deus. Chega-se, assim, à doutrina da predestinação e da graça (acesse o link e leia o sermão de Agostinho sobre predestinação:http://migre.me/ZWnm ) uma das pedras de toque do agostinismo.

A graça é nescessária para que o homem possa lutar eficazmente contra as tentações da concupiscência. Sem ela o livre-arbitrio pode distinguir o certo do errado,mas não pode tornar o bem um fato concreto. A graça precede todos os esforços de salvação e é seu instrumento necessário. Ajunta-se ao livre-arbítrio sem, entretanto, negá-lo; é um fator de correção e não o negá-lo. Sem o auxílio da graça, o livre-arbítrio elegeria o mal; com ela, dirigi-se para o bem eterno.

Mas, segundo Agostinho, nem todos os homens recebem a graça das mãos de Deus; apenas alguns eleitos, que estão, portanto, predestinados a salvação. A propósito da graça, Agostinho polemizou durante anos com o monge Pelágio (c.360- c.420) e seus seguidores.Os pelagianistas insistiam no esforço que o homem deve despender para obter a salvação e encareciam a eficácia do livre-arbítrio. Com isso minimizavam a intervenção da graça, quando não chegavam a negá-la totalmente. A experiência pessoal de Agostinho, no entanto, atestava vigorosamente contra a tese de Pelágio e por causa disso reagiu decidida e,às vezes, violentamente.

A controvérsia jamais foi totalmente solucionada e os teólogos posteriores dividiram-se em torno fa questão. Calvino (1509-1564), por exemplo, levou as teses agostinianas às últimas consequências: Depois do pecado original, o homem está totalmente corrompido pela concupiscência e depende exclusiva e absolutamente da vontade divina a concessão da graça para a salvação.Outros aproximaram-se de Pelágion tentando restaurar o primado do livre-arbítrio e das ações humanas como fonte de salvação.

Agostinho tudo fez para conciliar as duas teses opostas. Por um lado a vontade é livre para escolher o pecado e aquele que peca é inteiramente responsável por isso, e não Deus; da mesma forma, aquele que age segundo o bem divino não deve esquecer que sua própria vontade concorreu para essa boa obra. Por outro lado, a graça seria soberanamente eficaz, pois a vontade não é capaz de nenhum bem sem seu concurso. A graça e a liberdade não se excluem, antes se completam-se.

A teoria da graça e da predestinação constitui o cerne da antropologia agostiniana. Da mesma forma, a dualidade dos eleitos e dos condenados é a estrutura explicativa da história, exposta na Cidade de Deus. Nessa obra repetem-se também as oposições entre intelegível e sensível, alma e corpo, espírito e matéria, bem e mal, ser e não-ser sintetizando os aspectos essenciais do pensamento de Agostinho.

A história é vista pelo bispo de Hipona como resultado so pecado original de Adão e Eva, que se transferiu a todos os homens. Aqueles que nele persistem constroem a cidade humana, ou terrena, onde são permanentemente castigados. Os eleitos pela graça divina edificam a Cidade de deus e vivem em bem-aventurança eterna. A construção progressiva da Cidade de Deus seria, pois, a grande obra começada depois da criação e incessantemente continuada. Ela daria sentido à história e todos os fatos ocorridos trariam a marca da providência divina. Caim, o dilúvio, a servidão dos hebreus aos egípcios, os impérios assírio e romeno, são expressões da cidade terrena.Ao contrário,Abel, o episódio da arca de Nóe, Abraâo, Moisés, a época dos profetas e sobretudo, a vinda de Jesus, são manifestações da Cidade de Deus.

Agostinho assim pensava porque estava contemplando a destruição final do Império Romano, depois do saque de Roma por Alarico (c.370-410) em 410, e precisava dar uma resposta aos que acusavam o cristianismo de responsável pelo desastre. Para Agostinho, não era um desastre; era apenas a mão de Deus castigando os homens da cidade terrena e anunciando o triunfo do cristianismo.

Estava findando a Antiguidade e preparando-se a Idade Média. A nova era dominada pela palavra do Bispo de Hipona, pois ninguém como ele tinha conseguido, na filosofia ligada ao cristianismo, atingir tal profundidade e amplitude de pensamento.Vinculou a filosofia grega, especialmente Platão, aos dogmas cristãos, mas, quando isso não foi possível, não teve dúvida em optar pela fé na palavra revelada.Combateu vigorosamente o maniqueísmo, enquanto teoria metafisica.embora permanecesse visceralmente impregnado de uma concepção nitidamente dualista que contrapunha o homem a Deus, o mal ao bem,as trevas a luz.

Nota: [1] O texto exposto é para demonstrar que na verdade a doutrina Calvinista, inicia-se em Agostinho e não em Calvino como muito ensinam.

FONTE: OS PENSADORES / SANTO AGOSTINHO.- EDITORA NOVA CULTURAL LTDA. - AUTOR: JOSÉ AMÉRICO MOTTA PESSANHA.

MENTESANTA





A PREDESTINAÇÃO DOS SANTOS

(c. 10 e 15: P.L. 44, 974s. 981s)

Santo Agostinho

A diferença entre a predestinação a graça

Entre a graça e a predestinação existe unicamente esta diferença que a predestinação é uma preparação para a graça, e a graça é já a doação efetiva da predestinação.

E assim, o que diz o Apóstolo: “(a salvação) não provém das obras, para que ninguém se vanglorie; pois somos todos obra de Deus, criados no Cristo Jesus para realizar boas obras” [Ef 2,9s] significa a graça; mas o que segue: “as quais Deus de antemão dispôs para caminharmos nelas”, significa a predestinação, que não se pode dar sem a presciência, por mais que a presciência possa existir sem a predestinação.

Pela predestinação, Deus teve presciência das coisas que haveria de realizar; por isto; foi dito: “Ele fez o que ia ser” [Is 45 seg. os LXX]. Mas a presciência pode versar também sobre as coisas que Deus não faz como o pecado - de qualquer espécie que seja. Embora haja pecados que são castigos de outros pecados, conforme foi dito: “entregou-os Deus a uma mentalidade depravada, para que fizessem o que não convinha” [Rm 1,28], não há nisto pecado per parte de Deus, mas justo juízo. Portanto, a predestinação divina, que versa sobre o que é bom, e uma preparação, para graça, como já disse, sendo que a graça é efeito da predestinação. Por isto, quando Deus prometeu a Abraão a fé de muitos povos, dentro de sua descendência, disse: “eu te fiz pai de muitas nações” [Gn 17,4s], e o Apóstolo comenta: “assim é em virtude da fé, para que, por graça, seja a promessa estendida a toda a descendência” [Rm 4,16]: a promessa não se baseia na nossa vontade, mas na predestinação.

Deus prometeu, não o que os homens realizam, mas o que Ele mesmo havia de realizar. Se os homens praticam boas obras no que se refere ao culto divino, provém de Deus cumprirem eles o que lhes mandou, não provém deles que Deus cumpra o que prometeu; de outro modo, teria provindo da capacidade humana, e não do poder divino, que se cumprissem as divinas promessas, irias em tal caso os homens teriam dado a Abraão o que Deus lhe prometera! Não foi assim que Abraão creu; ele “creu, dando glória a Deus e convencido de que Deus era poderoso para realizar sua promessa” [Rm 4,21]. O Apóstolo não emprega o verbo “predizer” ou “pré conhecer” (na verdade Deus é poderoso para predizer e pré-conhecer as coisas), mas ele diz: “poderoso para realizar”, e, portanto, não obras alheias, mas suas.

Pois bem; porventura prometeu Deus a Abraão que em sua descendência haveria as boas obras dos povos, como coisa que Ele realiza, sem prometer também a fé - como se esta fosse obra dos homens? E então Ele teria tido, quanto a essa fé, apenas “presciência”? Não é certamente o que diz o Apóstolo, mas sim que Deus prometeu a Abraão filhos, os quais seguiriam suas pisadas no caminho da fé: isto o afirma clarissimamente.

Jesus Cristo, exemplar supremo da predestinação

O mais ilustre exemplar da predestinação e da graça é o próprio Salvador do mundo, mediador entre Deus e os homens, Jesus Cristo. Pois para chegar a ser tudo isto, com que méritos anteriores - seja de obras, seja de fé - pode contar a natureza humana que nele reside?

Peço que me responda: aquele homem [A palavra “homem” significa aqui, conforme se vê pelo contexto que “natureza humana”, embora não no sentido genérico desta expressão] que foi assumido, em unidade de pessoa, pelo Verbo eterno com o Pai, para ser Filho Unigênito de Deus, de onde mereceu isto? Houve algum mérito que tivesse ocorrido antes? Que fez ele, que creu que pediu previamente para chegar a tal inefável excelência? Não foi acaso pela virtude e assunção do mesmo Verbo que aquele homem, desde que, começou a existir, começou a ser Filho único de Deus? Não foi acaso o Filho único de Deus aquele que a mulher, cheia de graça, concebeu? Não foi o único Filho de Deus quem nasceu da Virgem Maria, por obra do Espírito Santo, sem a concupiscência da carne e por graça singular de Deus? Acaso se pôde temer que aquele homem chegasse a pecar, quando crescesse na idade e usasse o livre arbítrio? Acaso carecia de vontade livre ou não era esta tanto mais livre, nele, quanto mais impossível que estivesse sujeita ao pecado? Todos estes dons, singularmente admiráveis, e outros ainda, que se possam dizer, em plena verdade, serem dele, recebeu-os de maneira singular, nele, a nossa natureza humana sem que houvesse quaisquer merecimentos precedentes.

Interpele então alguém a Deus e diga-lhe: “por que também não sou assim?” E se, ouvindo a repreensão: “ó homem, quem és tu para pedires contas a Deus” [Rm 9,20], ainda persistir interpelando, com maior imprudência: “por que ouço isto: ó homem, quem és tu? pois se sou o que estou escutando, isto é, homem - como o é aquele de quem estou falando - por que não hei de ser o mesmo que ele?” Pela graça de Deus ele é tão grande e tão perfeito! E por que é tão diferente a graça, se a natureza é igual? Certamente, não existe em Deus acepção de pessoas [Cl 3,25]: quem seria o louco, já nem digo o cristão, que o pensasse?

Fique manifesta, portanto, para nós, naquele que é nossa cabeça, a própria fonte da graça que se difunde por todos os seus membros, conforme a medida de cada um. Tal é a graça, pela qual se faz cristão um homem desde o momento em que principia a crer; e pela qual o homem unido ao Verbo, desde o primeiro momento seu, foi feito Jesus Cristo. Fique manifesto que essa graça é do mesmo Espírito Santo, por obra de quem Cristo nasceu e por obra de quem cada homem renasce; do mesmo Espírito Santo, por quem se verificou a isenção de pecado naquele homem e por quem se verifica em nós a remissão dos pecados.

Deus, sem dúvida, teve a presciência de que realizaria tais coisas. É esta a predestinação dos santos, que se manifesta de modo mais eminente no Santo dos santos; quem poderia negá-lo, dentre os que entendem retamente os ensinamentos da verdade? Pois sabemos que também o Senhor da glória foi predestinado, enquanto homem tornado Filho de Deus. Proclama-o Doutor das Gentes no começo de suas epístolas: “Paulo, servo de Jesus Cristo, chamado para ser apóstolo, escolhido para o Evangelho de Deus, que Ele de antemão havia prometido por meio dos profetas, nas santas Escrituras, acerca de seu Filho o que nasceu da estirpe de Davi segundo a carne e foi constituído Filho de Deus, poderoso segundo O Espírito de santidade desde sua ressurreição entre os mortos” [Rm 1,1-4]. Jesus foi, portanto, predestinado: aquele que segundo a carne haveria de ser filho de Davi seria também Filho de Deus poderoso, segundo o Espírito da santificação, pois nasceu do Espírito Santo e da Virgem.

MENTESANTA



No mês de junho de 2002 o sínodo da diocese anglicana de New Westminster autorizou o seu bispo a realizar uma liturgia para a bênção de uniões entre pessoas do mesmo sexo. Essa liturgia é para ser utilizada em qualquer paróquia da dioceses que venha a solicitá-la. Vários membros do sínodo se retiraram para protestar esta decisão. Eles se declararam a si mesmos fora de comunhão com aqueles bispos e com o sínodo e apelaram ao Arcebispo da Cantuária e a outras autoridades e bispos da Igreja Anglicana, solicitando ajuda.

J. I. Packer, editor executivo da revista Christianity Today, foi um dos que se retiraram. Muitas pessoas têm lhe perguntada o por que desta atitude. Apesar de uma das partes da sua resposta se aplicar especificamente aos anglicanos, o seu raciocínio mais abrangente pode dar direcionamento a qualquer cristão que está perturbado pelos desenvolvimentos em progresso dentro de sua igreja ou denominação.

Por que me retirei com os demais? Porque esta decisão, dentro do seu contexto, falsifica o evangelho de Cristo, abandona a autoridade das Escrituras, prejudica a salvação de outros seres humanos e representa uma traição à igreja, no que diz respeito ao seu papel recebido de Deus, de ser a fortaleza e baluarte da verdade divina.

Minha autoridade principal é um escritor bíblico chamado Paulo. Durante muitas décadas eu tenho feito esta pergunta a mim mesmo a cada esquina da minha jornada teológica: Paulo estaria caminhando comigo na direção em que estou indo? O que diria ele, se estivesse no meu lugar? Nunca ousei me pronunciar sobre alguma coisa sobre a qual eu não tivesse uma boa razão para acreditar que eu teria o endosso dele.

Na primeira carta aos coríntios lemos algo que parece ter sido escrito a algumas pessoas que ensinavam um tipo de antinomianismo espiritual:

"Não sabeis que os injustos não herdarão o reino de Deus? Não vos enganeis: nem os devassos, nem os idólatras, nem os adúlteros, nem os efeminados, nem os sodomitas, nem os ladrões, nem os avarentos, nem os bêbedos, nem os maldizentes, nem os roubadores herdarão o reino de Deus. E tais fostes alguns de vós; mas fostes lavados, mas fostes santificados, mas fostes justificados em nome do Senhor Jesus Cristo e no Espírito do nosso Deus".

Para nos certificarmos de que compreendemos o que Paulo está dizendo, neste trecho, faço algumas perguntas:

Primeiro: A que Paulo está se referindo, quando ele relaciona essa lista de vícios? Resposta: A estilos de vida, a formas repetitivas de comportamento, a hábitos de mente e de ação. Ele não tem em mente quedas pontuais seguidas de arrependimento, perdão e (com a ajuda de Deus) maior vigilância contra recaídas; mas estilos de vida nos quais alguns de seus leitores estavam se inserindo, acreditando que não havia nenhum dano neles, para o Cristão.

Segundo: O que é que Paulo está dizendo sobre esses hábitos? Resposta: Eles são caminhos pecaminosos e se não houver arrependimento e renúncia a esse caminhar, aquelas pessoas, que assim se identificam, estarão fora do Reino de Deus quanto à salvação. Claramente identificamos na atitude expressa por essas pessoas, auto-indulgência, auto-gratificação, ausência de auto-disciplina e de abnegação bem como uma falta de discernimento moral subsistindo no fundo de seus corações.

Terceiro: O que Paulo está dizendo sobre a homossexualidade? Resposta: Aqueles que declaram pertencer a Cristo deveriam evitar a prática de conexão física com o mesmo sexo com fins de gratificação sexual, seguindo o modelo do coito heterossexual. As expressões de Paulo - "efeminados" e" sodomitas" - homens que praticam a homossexualidade, como temos em algumas traduções se referem às duas palavras gregas que identificam as pessoas envolvidas nesses atos. A primeira, arsenokotai, significa, literlamente," aquele que se deita com um macho" - isso parece suficientemente claro. A segunda palavra, malakoi, é utilizada em muitas conexões com o significado de "não masculino", "relativo a mulher" e "efeminado"; aqui a referência é à pessoa do sexo masculino que se presta ao papel da mulher no contato sexual físico.

Neste contexto, no qual Paulo utiliza dois termos para caracterizar desvios comportamentais sexuais, não existe campo para duvidar o que passava em sua mente. Ele deve ter conhecido, como cristãos contemporâneos conhecem, que alguns homens são atraídos por homens em vez de por mulheres, mas ele não está falando de inclinações, somente de comportamento; daquilo que, mais recentemente, tem sido chamado de "assumir". O seu ponto é que os cristãos têm que resistir esses impulsos, uma vez que exteriorizá-los em ação não pode agradar a Deus e demonstrará impenitência letal. Romanos 1.26 mostra que Paulo haveria falado de forma similar quanto ao comportamento lésbico, se existisse razão para ser mencionado nesta mesma passagem.

Quarto: O que é que Paulo está afirmando sobre o evangelho? Resposta: aqueles que, como pecadores perdidos, entregam-se a Cristo em fé genuína assim recebendo o Espírito Santo, como todos os cristãos o recebem (ver Gl 3.2), recebem transformação nessa transação. Eles recebem uma limpeza de consciência (a lavagem do perdão), a aceitação da parte de Deus (justificação) e a força para resistir e não externar as tentações específicas que experimentam (santificação). Assim um amigo meu, pregador, se expressou à sua congregação: "quero que vocês saibam que eu sou um adúltero não praticante". Desta forma ele testemunhava ter recebido o fortalecimento da parte de Deus.

Com alguns crentes da igreja de Corinto, Paulo estava celebrando o a concessão de poder moral advindo do Espírito Santo, no campo heterossexual; junto com aqueles membros da igreja de Corinto, os homossexuais de hoje são conclamados a provar, viver e celebrar o recebimento deste poder moral do Espírito Santo, no campo homossexual. Um outro amigo meu, a quem eu conheci durante 30 anos, viveu com desejos homossexuais durante toda a sua vida adulta, mas permaneceu um esposo e pai fiel, casto, sexualmente, pelo poder do Espírito Santo, de acordo com o evangelho. Ele é um modelo em todos os sentidos. Todos nós sofremos tentações sexuais, de uma maneira ou de outra, mas podemos todos caminhar a jornada da castidade, assim possibilitados pelo Espírito, agradando, desta forma, a Deus.


Perdendo o foco do pensamento de Paulo

Presumindo a plena seriedade e sinceridade de todos os que atualmente se envolvem no debate, entre cristãos, com relação à homossexualidade, tanto na diocese de New Westminster, como em qualquer outro local, preciso perguntar: como uma pessoa pode deixar de entender a contundência do que Paulo diz aqui? Creio que existem duas maneiras disso acontecer.

A primeira maneira, a mais fácil de se lidar, é a maneira da exegese especial. Com isso quero me referir às interpretações que, mesmo que possíveis, são artificiais e não ocorrem naturalmente, mas que levam alguém a dizer: "o que Paulo está condenando não é o tipo de união de pessoas entre o mesmo sexo que eu estou propondo". Eu concordo que considerar que uma linha de interpretação é artificial - e assim se constitui em uma interpretação errada -, é uma questão de juízo próprio. Eu não conheço, entretanto, qualquer pessoa com um raciocínio razoável que possa o livro de
500 páginas de Robert A. J. Gagnon - "A Bíblia e a prática homossexual: Textos e hermenêutica" (Abingdon, 2001), que não venha a concluir que qualquer exegese que evite o significado claro do que Paulo está ensinando está fugindo à questão. E de agora em diante eu não posso considerar ninguém realmente qualificado a debater o assunto da homossexualidade que não tenha se envolvido no exame enciclopédico de Gagnon de todas as passagens relevantes e em todas as hipóteses exegéticas que existem, relacionadas com esses trechos. Nem sempre tenho concordado com James Barr, mas quando, na capa do livro ele descreve o tratado de Gagnon como "indispensável até para os que discordam do autor", penso que ele está absolutamente correto.

O segunda maneira, que é mais difícil de lidar com ela, é permitir que a experiência julgue a Bíblia. Algumas pessoas modernas, alicerçadas na propaganda advinda dos partidários da igualdade homossexual, e que têm os corações possuídos pelo mito pseudo-freudiano, de que é praticamente impossível você ser uma pessoa sadia sem expressar-se ativamente na área sexual, sentem-se no direito de dizer: "Nossa experiência é - ou, em outras palavras, sentimos - que as uniões gay são boas, então a proibição bíblica deve estar errada". A resposta natural é a de que a Bíblia deve julgar a nossa experiência em vez do contrário; e que os sentimentos de excitação e atração sexual, que geram uma importância enorme e uma necessidade de realização de ações correspondentes - o que ocorre, não podem ser confiados como um caminho de vida sábia ou como um guia de interpretação bíblica. Fazendo uma rima com o princípio, como era comum em minha infância: O desejo sexual / E seu fogo sensual / É mentiroso mortal. Mas é necessário afirmarmos mais algumas coisas.


Dois pontos de vista sobre a Bíblia

A questão aqui representa um enorme desfiladeiro - a diferença entre a natureza da Bíblia e a forma que ela transmite a mensagem de Deus aos leitores modernos. Duas posições se desafiam mutuamente. Uma é a crença cristã histórica de que, através dos profetas, do Filho encarnado, dos apóstolos e dos escritores das Escrituras canônicas, como um todo, Deus utilizou linguagem humana para nos relatar, de maneira definida e transcultural, sobre os seus caminhos, as suas obras, a sua vontade e a sua adoração. Além disso, essa verdade revelada é compreendida deixando a Bíblia interpretar-se a sim mesma, de dentro para fora, na convicção de que o caminho à mente de Deus é o dos autores das Escrituras. Através deles, o Espírito Santo que os inspirou, ensina a igreja. Finalmente, uma das marcas da percepção bíblica sã, é que essas interpretações não contradizem nada mais, dentro do cânon. Esta é a posição das igreja Católico-romanas e Ortodoxas, dos evangélicos e de outros protestantes conservadores. Existem diferenças sobre o papel da igreja, nesse processo de interpretação, mas todos concordam que o processo é como o descrevi. Eu chamaria essa posição de objetivista.

A segunda visão aplica ao cristianismo a impulsão iluminista da razão humana, juntamente com a pressuposição evolucionista que está em moda, de que o presente é sempre mais sábio do que o passado. Ela chega à conclusão que a sabedoria está no mundo e a igreja deve correr atrás para se atualizar intelectualmente, a cada geração, para que possa sobreviver. Partindo desse alicerce, tudo na Bíblia torna-se relativo às percepções da igreja que estão sempre em evolução; essas, por sua vez, são relativas ao desenvolvimento contínuo da sociedade (nada permanece firme); e o ministério de ensino do Espírito Santo serve para auxiliar o fiel a verificar onde as doutrinas bíblicas demonstram as limitações culturais da antigüidade e as necessidades de ajuste, à luz da experiência dos últimos dias (encontros, interações, perplexidades, estados de mente e emoções, e assim por diante). Uniões entre pessoas do mesmo sexo constituem um exemplo disso. Este ponto de vista não tem mais de 50 anos de idade, apesar dos seus antecedentes terem raízes muito mais remotas. Eu chamaria essa posição da posição subjetivista.

No debate da diocese de New Westminster, os subjetivistas dizem que o que está sendo questionado não é a autoridade das Escritura, mas a sua interpretação. Eu não questiono a sinceridade daqueles que afirmam isso, mas tenho minhas dúvidas sobre a clareza de pensamento dessas cabeças. A forma do subjetivista para afirmar a autoridade das Escrituras, como fonte de ensinamento que precisa agora ser ajustada, é, precisamente, uma negação da autoridade das Escrituras, do ponto de vista do objetivista - clareza demanda que afirmemos assim. A autoridade relativa de especialistas religiosos do passado, que agora precisa ser turbinada no nosso mundo ocidental pós-cristão, de múltiplas fés, em constante evolução - é um ponto de vista. A autoridade absoluta das declarações imutáveis de Deus, colocadas perante nós para serem aprendidas, cridas e obedecidas - como as principais igrejas o têm feito, sem se importar o que o mundo pensa disso - é o outro ponto de vista.

Aquelas que estão sendo apresentadas como sendo diferentes "interpretações" são, na realidade reflexos do que é definitivo: em um dos pontos de vista, o ensinamento doutrinário e moral das Escrituras é sempre a última palavra; no outro ponto de vista, nunca é uma palavra final. O que é definitivo, para os expositores desse ponto de vista, não o que diz a própria Bíblia, mas o que produzem suas próprias mentes na medida em que procuram encaixar o ensinamento bíblico com a sabedoria do mundo.

Cada um desses pontos de vista sobre a autoridade bíblica enxerga o outro como falso e desastroso, e cada um tem a certeza que o bem do cristianismo, a longo prazo, requer que o ponto de vista oposto seja abandonado e deixado para trás o mais rápido possível. O conflito contínuo entre eles, que aflora na discordância sobre as uniões de pessoas do mesmo sexo, é uma luta até a morte, na qual ambos os lados estão certos de que têm no coração os melhores interesses da igreja. É um grande erro, na realidade até um erro crasso, rotular essa discordância simplesmente de uma diferença de interpretações, como as que sempre encontraram espaço providenciado pela abrangência anglicana.


Perigos espirituais

Além disso, muitas questões espirituais estão envolvidas nisso. Abençoar liturgicamente uniões de pessoas do mesmo sexo é pedir a Deus que abençoe a eles e àqueles que se juntam a eles, como é feito numa cerimônia de casamento. Isso presume que o relacionamento, do qual a união física é uma parte integral, é intrinsecamente bom e, se podemos criar um termo, é abençoável da mesma forma que é um relacionamento sexual destinado à procriação, dentro de um casamento heterossexual. Sobre essa pressuposição existem três coisas a comentar.

Primeiro, ela envolve um desvio do evangelho bíblico e do credo cristão histórico. Ela distorce as doutrinas da criação e do pecado, afirmando que a orientação homossexual é boa, uma vez que as pessoas gays são feitas dessa maneira; rejeitando a idéia de que as inclinações homossexuais são uma desordem espiritual, mais um sinal e fruto do pecado original no sistema moral das pessoas. Ela distorce as doutrinas da regeneração e da santificação, chamando a união entre pessoas do mesmo sexo de um relacionamento cristão, assim afirmando o que a Bíblia chamaria de salvação" no pecado", em vez de "do pecado".

Segundo: ela ameaça destruir o meu próximo. A proposta oficial disse que os ministros que, como eu, forem contrários a dar este tipo de bênção, deveriam remeter os casais gays a ministros que tenham a disposição de conceder tal bênção. Seria isso cuidado pastoral? Será que eu não deveria tentar auxiliar as pessoas gay a modificar os seus comportamentos, em vez ancorá-los neles? Será que eu não deveria auxiliá-los na prática da castidade, da mesma forma que eu tento ajudar os solteiros eriçados e os divorciados na pratica da castidade? Eu não quero vê-los todos no reino de Deus?

Terceiro, ela envolve o engano de estar esperando de Deus - na realidade, solicitando dele - que venha santificar o pecado, abençoando o que ele condena. Isso é uma postura irresponsável, irreverente, na realidade,é blasfêmia e totalmente inaceitável como política eclesiástica. Como eu poderia praticá-la?


Mudando uma tradição histórica

Finalmente, está envolvida aqui uma drástica mudança no anglicanismo: a escrita em uma constituição de uma diocese de algo que as Escrituras, interpretadas canonicamente, claramente e sem ambigüidades rejeita como pecado. Isso nunca foi feito antes e não deveria ser feito agora.

Todos os padrões escritos do anglicanismo pós-reforma têm sido intencionalmente bíblicos e universais. Têm sido bíblicos no que diz respeito à visão histórica da natureza e autoridade das Escrituras. Têm sido universais no que diz respeito ao consenso histórico da igreja. Muitas excentricidades e variações individuais têm sido toleradas na prática. As controvertidas e recentes permissões para realizar o casamento de divorciados e ordenar mulheres ao presbiterato têm tido argumentos construídos de permissões bíblicas, apesar de correntes minoritárias disputarem essa posição. Em termos bíblicos e universais, entretanto, a decisão da diocese de New Westminster registra a legitimação do pecado nos padrões constitucionais da diocese.

Ela categoriza os abstêmios tolerados como o esquadrão canhestro de excêntricos em vez de como a corrente principal de anglicanos, como eram antes considerados. Essa decisão, portanto, somente pode ser justificada apelando-se para o relativismo bíblico; é um visão nova do que é autoridade bíblica e, na minha concepção, uma aranha que tece uma teia na igreja anglicana, uma heresia em seus próprios méritos. É uma decisão devastadora para o anglicanismo em escala mundial, porque modifica a natureza do próprio anglicanismo. Precisa ser revertida.

A resposta de Lutero, em Worms, quando lhe perguntaram se ele retratava o que havia escrito, ecoa em minha memória, como tem ressoado por mais de cinqüenta anos: "A não ser que possam me provar pelas Escrituras e pelo raciocínio simples que estou errado, eu não posso e não irei me retratar. Minha consciência está cativa à Palavra de Deus. Ir contra a consciência nem é correto nem seguro [coloca a alma em perigo]. Aqui permaneço. Não há nada que eu possa fazer. Deus me ajude. Amém".

Consciência é aquele poder da mente sobre o qual não temos poder, que nos prende à crença do que vemos ser verdadeiro e do que vemos ser correto. A consciência cativa à Palavra de Deus, isto é, aos absolutos com a autoridade de Deus, nos ensinamentos da Bíblia, é o cristianismo integral e autêntico.

Lembro-me de mais palavras de Lutero: "Se eu professar com a mais alta voz e a exposição mais clara cada porção da verdade de Deus, exceto aquela que o mundo e o diabo estão ocupados em atacar, no exato momento, não estou confessando a Cristo, apesar de quão ousadamente eu possa professar a Cristo. No calor da batalha é quando a lealdade do soldado é provada; estar firme no campo de batalha, mas se esquivar em algum ponto, é uma mera fuga e uma desgraça".

Qual era a forma de protesto? Era votar "não" a coisa certa a fazer? A fidelidade a Cristo e a confissão fiel a Cristo requeria isso? Assim parece. Se é assim, então nossa tarefa é permanecer firme, vigiar, orar e lutar por coisas melhores: pela verdadeira autoridade da Bíblia, pela "verdade verdadeira" do evangelho e pela salvação de pessoas gays, as quais estimamos.

Autor do texto : J.I. Packer

Tradução: Pb. Solano Portela

fonte: http://www.monergismo.net.br

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