O OUTRO LADO DE C. H. SPURGEON


Freqüentemente recorrem-se à posição do célebre C. H. Spurgeon. Ele fez fortes declarações sobre a soberania de Deus. Mas aqueles que páram por aqui não tratam Spurgeon adequadamente. Para ser sincero, ele enfatizava a soberania divina, todavia esse não é o único lado de Spurgeon. Um estudo de suas obras mostra que ele vigorosamente exibia o outro lado também.

Esta é também a observação de alguns que conheceram bem Spurgeon. O Dr. Arthur T. Pierson foi convocado para suceder imediatamente o ministério de Spurgeon no Metropolitan Tabernacle em Londres, onde ele exerceu por vários anos. Ele deve, por essa razão, ter tido conhecimento real e entendimento da posição de Spurgeon. Ele reconheceu claramente os dois lados da visão de Spurgeon: "A soberania divina e a liberdade humana são alternadamente enfatizadas na Escritura, e nenhuma tentativa é feita para harmonizá-las. A falha de todos os sistemas teológicos é que eles tentam uma harmonia e um ajuste científico do que a Palavra de Deus deixa um problema não resolvido e um paradoxo insolúvel. C. H. Spurgeon não tinha sido há muito um pregador e pastor antes que ele também estivesse contente por insistir na eleição soberana de Deus e na eleição voluntária do homem de Deus, como ambas verdadeiras e essenciais à salvação. Mas ele não fez mais tentativa para harmonizá-las do que Cristo antes dele, quando Ele disse quase com a mesma expressão, 'Ninguém pode vir a mim, se o Pai que me enviou o não trouxer,' e novamente, 'Não quereis vir a mim.'" (Pierson, A. T.: Seed Thoughts For Public Speakers, p. 271)

O Dr. A. H. Strong em sua Systematic Theology (p. 364), ao chegar no problema de equilibrar o lado divino reconhecendo também o lado humano, referiu, entre outros, ao livro The Best Bread (p. 109) de C. H. Spurgeon em um sermão sobre a crucificação: "O quaterno de soldados fizeram tudo que queriam fazer. Eles agiram de seu próprio livre-arbítrio, e todavia cumpriram o eterno conselho de Deus. Nunca seremos capazes de fincar nas mentes dos homens a verdade que a predestinação e a livre-agência são ambos fatos? Os homens pecam tão livremente quanto pássaros voam no ar, e eles são completamente responsáveis por seu pecado; e todavia tudo é ordenado e previsto por Deus. A preordenação de Deus em nenhum grau interfere na responsabilidade do homem. Geralmente as pessoas me pedem para reconciliar as duas verdades. Minha única resposta é – Elas não precisam ser reconciliadas, pois elas nunca se separaram. Por que eu devo tentar reconciliar dois amigos? Prove para mim que as duas verdades não concordam. Estes dois fatos são linhas paralelas; eu não posso uni-las, mas você não pode fazê-las cruzarem. Permita-me também acrescentar que eu há muito abandonei a idéia de dispor todas as minhas crenças em um sistema. Eu acredito, mas não posso explicar. Me prosto ante a majestade da revelação e adoro o infinito Senhor."

Spurgeon se expressou um tanto similarmente em um outro sermão: "'Todo o que o Pai me dá virá a mim; e o que vem a mim de maneira nenhuma o lançarei fora' (Jo 6.37). Estas duas sentenças têm sido consideradas como representando os dois lados da doutrina cristã. Elas nos possibilitam vê-la de dois pontos de vista – de Deus e do homem.... A segunda sentença mostra a abençoada, encorajadora, doutrina evangélica, e é de fato uma promessa e um convite – 'O que vem a mim de maneira nenhuma o lançarei fora.' Esta é uma afirmação sem qualquer limitação: pensa-se que ela deixa a livre graça de Deus aberta ao livre-arbítrio do homem, para que quem quiser possa vir e estar seguro de que não será recusado. Não temos permissão para restringir qualquer uma das sentenças, nem há a menor necessidade de assim fazer.... Estas são duas grandes verdades; vamos carregá-las ambas conosco, e elas se equilibrarão. Me pediram uma vez para reconciliar estas duas afirmações, e eu respondi, 'Não, eu nunca reconcilio amigos.'... A grande declaração do propósito de Deus que Ele salvará os Seus é totalmente consistente com a maior declaração de que quem vir a Cristo será salvo. É uma pena que sempre se considerou difícil sustentar ambas as verdades.... Tomem, então, estas duas verdades, e saibam que elas são igualmente preciosas porções de um todo harmonioso." (The Treasury of the New Testament, Vol. II, p. 355)

Novamente, enquanto ainda gloriando no lado divino ao qual ele dá espaço completo, Spurgeon reconheceu o lado humano, mesmo com suas limitações: "Essa é a verdade, sobre a qual, espero, nunca tenhamos qualquer dúvida; sustentamos tenazmente que a salvação é toda da graça, mas também cremos com igual firmeza que a ruína do homem é inteiramente o resultado de seu próprio pecado. É a vontade de Deus que salva; é a vontade do homem que condena.... Há grandes abismos sobre estes dois pontos. A parte prática da teologia é o que é mais importante que entendamos. Pode entrar num labirinto terrível aquele que pensa continuamente na soberania de Deus somente, e pode igualmente cair em profundezas que devem provavelmente sufocá-lo se ele meditar apenas no livre-arbítrio do homem. A melhor coisa é aceitar o que Deus revela a você, e crer que... O que se espera é, primeiro, uma verdadeira vontade para vir para Deus. Você ouviu muito, atrevo-me a dizer, sobre a maravilhosa faculdade do livre-arbítrio.... Aí está onde o pecador falha, o que ele precisa é de uma vontade verdadeira.... Não há nenhuma disposição em seus corações, pois uma disposição verdadeira é uma disposição prática. O homem que deseja vir a Cristo diz, 'Devo livrar-me de meus pecados, de minha própria justiça, e devo buscar Aquele que unicamente pode me salvar.'... Há necessidade de uma vontade urgente. Você está disposto a vir para Cristo agora? Eis a questão.... Então, vejam, é de uma vontade real e urgente que é preciso." (Treasury of the New Testament, Vol. I, pp. 340, 342)

Mais uma vez Spurgeon claramente se expressou: "Vejam quão docemente a segunda oração de nosso texto coloca – 'Quem quiser, tome de graça da água da vida.' Se está sedento ou não, todavia tem vontade de beber? Tem vontade de ser salvo? Vontade de ser feito uma nova criatura em Cristo? Deseja ter vida eterna? Então assim diz o Espírito a ti, 'Quem quiser, tome de graça da água da vida.'... 'Quem quer que' – então quem ousaria ter a impudência de dizer que está excluído? Se disser que você não pode estar dentro dos 'quem quer que' – isso deve significar todo homem que já viveu, ou irá viver, enquanto, todavia, ele estiver aqui e deseja vir." (Treasury of the New Testament, Vol. IV, p. 845)

Sobre outro assunto Spurgeon disse: "Você não confia nele; você não O obedece. Oro para que você considere o fato. 'Posso crer nele?' diz alguém. Já não dissemos dez mil vezes que quem quiser pode tomar da água da vida livremente. Se houver alguma barreira não é com Deus, nem com Cristo, é com seu próprio coração pecaminoso. Você é bem vindo ao Salvador agora, e se você confiar nele agora Ele é seu para sempre.... Você vira suas costas para o Deus encarnado que derrama seu sangue pelos homens, e ao fazer assim você se exclui da esperança, julgando-se indigno da vida eterna.... Há uma água da vida, mas você se recusa a bebê-la; então você deve ficar sedento eternamente. Você põe para longe de você, voluntariamente, o único Redentor; como então você será remido?" (Treasury of the New Testament, Vol. II, pp. 301, 303)

Em um sermão intitulado "Responsabilidade Humana," Spurgeon disse: "Tenho sido muitas vezes repreendido por certos homens que se desviaram da verdade, por pregar a doutrina que é pecado os homens rejeitarem o evangelho de Cristo. Não me importo com qualquer título infamante: estou certo de que tenho permissão da Palavra de Deus para pregar assim, e não acredito que qualquer um pode ser fiel às almas dos homens e limpos de seu sangue, a menos que carregue seu testemunho freqüente e solene sobre este assunto vital.... Não fiquei sem expor as gloriosas doutrinas da graça, ainda que ao pregá-las os inimigos da cruz me chamaram de antinomiano; nem tenho tido medo de pregar a solene responsabilidade do homem, ainda que uma outra classe tem me difamado como arminiano. E ao dizer isto, não o digo a fim de gloriar, mas o digo para sua repreensão, se você tem rejeitado o evangelho, pois você terá pecado muito acima de quaisquer outros homens; ao rejeitar Cristo, uma dupla medida da impetuosidade da ira de Deus cairá sobre você." (Memorial Library, Vol. V, pp. 426, 429)

Em um sermão sobre o texto , "Força-os a entrar," Spurgeon disse: "Eu seria pior do que um demônio se eu não, com todo amor, e bondade, e zelo, implorasse para você 'tomar posse da vida eterna.' Alguns hiper-calvinistas me diriam que estou errado em fazer assim. Não posso deixar de fazer isto. Devo fazer isso. Como eu devo me apresentar, finalmente, diante de meu Juiz, sinto que eu não farei completa prova de meu ministério a menos que suplique com muitas lágrimas que vocês sejam salvos, que vocês olhem para Jesus Cristo e recebam Sua gloriosa salvação."

No mesmo sermão, em uma única página de duas colunas, em sua súplica Spurgeon sete vezes citou versos com "quem" ou "qualquer um" neles; "'Quem crer,' 'quem invocar,' 'quem vir,' 'quem crer,' 'quem quiser, deixe-o vir,' 'qualquer um que invocar,' e 'quem quiser.'" (Treasury of the New Testament, Vol. I, pp. 885, 882)

Em uma outra obra Spurgeon novamente mostra a liberdade da ação humana: "A matéria inanimada obedece à lei divina pela força, mas um ser humano pode somente obedecer a Deus com sua vontade, visto que obediência relutante não seria obediência coisa nenhuma. Não pode haver tal coisa como amor relutante, confiança relutante, ou santidade relutante. A voluntariedade entra na essência de um ato moral. Tendo, por isso, assim feito o homem, o Senhor não se esquece desse fato, mas sempre trata o homem como um agente livre. As compulsões divinas de Sua graça são apenas congruentes com uma criatura disposta e indisposta." (Illustrations and Meditations, or Flowers From a Puritan's Garden, p. 124)

De uma fonte diferente vem uma outra declaração ainda mais forte de Spurgeon: "Griffiths diz que viajantes na Turquia carregam consigo pastilhas de ópio, nas quais está gravado 'mash Allah,' o dom de Deus. Vários sermões são como tais pastilhas. A graça é pregada mas o dever negado. A predestinação divina é exaltada mas a responsabilidade humana é rejeitada. Tal ensino deve ser evitado como venenoso, mas aqueles que pelo uso cresceram acostumados ao sedativo, condenam toda outra pregação, e exaltam suas pastilhas de ópio da eminente doutrina como a verdade, o precioso dom de Deus. Deve ser temido que esta doutrina suco de papoula tem mandado muitas almas para dormir que acordarão no inferno." (Feathers for Arrows, p. 65)

Para demonstrar mais completamente a ênfase de Spurgeon sobre o papel a ser desempenhado pelo homem, seus sermões, como por exemplo, sobre certos textos nos Evangelhos, podem ser lidos. Com ardorosa súplica, ele insiste que o evangelho é para todos os homens, incita todos a procurar refúgio no Salvador, e mostra o perigo pelo qual serão responsáveis se eles deixarem de agir. Em seu sermão sobre 1Tm 2.4 ele zomba daqueles que transformariam "quer que todos sejam salvos" em "alguns homens" ou em "que não quer que todos os homens sejam salvos."

Sua autobiografia tem algumas coisas interessantes. Há uma citação de alguém dizendo dele: "Ele discorria sobre a 'Responsabilidade Humana.'... Não muito tempo depois ele demonstra os dois lados da verdade divina em um sermão intitulado 'Graça Soberana e Responsabilidade do Homem,' em que ele evitava os erros do Arminianismo por um lado, e os do hiper-Calvinismo por outro." (Autobiography, Vol. II, p. 224)

Na mesma obra Spurgeon disse dos estudantes que saíram de seu Pastor's College: "Alguns poucos têm passado para o hiper-Calvinismo, e, por outro lado, um ou dois tem vagueado em sentimentos arminianos; mas mesmo estes têm permanecido zelosamente evangélicos, enquanto a maior parte dos irmãos continuam na fé em que seu colégio os educou." O lema do Pastor's College era uma mão segurando a cruz, a qual estavam acrescentadas as palavras: "Seguro e sou segurado." (Ibid., p. 150)

Em Spurgeon's Lectures to His Students, editado por David Otis Fuller, é evidente que Spurgeon falava com força e até com um pouco de sarcasmo àqueles que estavam indo trabalhar no evangelho. Em um capítulo intitulado, "Sobre a Conversão Como Nosso Alvo," ele disse: "Todo e qualquer apelo que alcançar a consciência e mover os homens a lançarem-se para Jesus devemos perpetuamente empregar, se por qualquer meio possamos salvar alguns.... Em nome de nosso Mestre devemos dar o convite, proclamando 'quem quiser, tome de graça da água da vida.' Não se intimidem, meus irmãos, por aqueles teólogos ultra-calvinistas que dizem, 'Você pode instruir e alertar os incrédulos, mas você não deve convidá-los ou suplicar a eles.' E por que não? 'Porque eles são pecadores mortos, e por isso é absurdo convidá-los, visto que eles não podem vir.' Por que então podemos alertá-los ou instrui-los? O argumento é tão forte, se é que é forte, que elimina todos os modos de apelo aos pecadores.... Quem entre os filhos dos homens pensaria que é uma grande vocação a ser enviada na sinagoga para dizer a um homem perfeitamente vigoroso, Levanta e anda'? Ele é um pobre Ezequiel cuja maior realização é gritar, 'Vós, almas vivas, vivam.'" (pp. 327-329)

A consideração da posição de Spurgeon pode bem ser concluída apresentando o que é relatado por um erudito britânico completamente versado nesta área: "Charles Haddon Spurgeon sempre alegou ser calvinista.... Sua mente estava infiltrada nos escritos dos teólogos puritanos; mas seu intenso zelo pela conversão das almas o levou a pisar fora dos limites do credo que ele tinha herdado. Seu sermão 'Força-os a entrar' foi criticado como arminiano e não-ortodoxo. A seus críticos ele respondeu: 'Meu Mestre colocou Seu selo nessa mensagem. Eu nunca preguei um sermão pelo qual muitas almas foram ganhas para Deus.... Se considerarem uma má coisa declarar ao pecador tomar posse da vida eterna, serei, todavia, pior a este respeito, e nisto imitarei meu Senhor e Seus apóstolos.'

"Mais do que uma vez Spurgeon orou 'Senhor, se apresse em trazer Seus eleitos, e então eleja alguns mais.' Ele parece ter usado esta frase muitas vezes em conversa, e em seus lábios não era mera pilhéria. Com sua rejeição definitiva de uma expiação limitada, ela teria horrorizado João Calvino.... A verdade parece ser que as velhas frases calvinistas estavam com freqüência nos lábios de Spurgeon mas o significado calvinista genuíno tinha saído delas.

"J. C. Carlile admite que 'ilógico como possa parecer, o Calvinismo de Spurgeon era de tal natureza que, enquanto ele proclamava a majestade de Deus, ele não hesitava em atribuir liberdade da vontade ao homem e insistir que qualquer um poderia encontrar em Jesus Cristo livramento do poder do pecado.'" (Underwood, A. C., A History of the English Baptists, pp. 203-205)


Fonte : ELEIÇÃO E PRESTINAÇÃO. AUTOR: SAMUEL FISK

Eleição em Rm 8.28-39 à Luz da Eleição e Apostasia de Israel

B. J. Oropeza

(“Excursus: Election in Romans 8:28-39 in Light of Israel’s Election and Apostasy,” em Paul and Apostasy: Eschatology, Perseverance, and Falling Away in the Corinthian Congregation, 206-10)

Nossa perspectiva de 1Co 10 e Rm 9-11 lança dúvidas sobre a hipótese de que a eleição incondicional para a perseverança final é uma garantia para o cristão individualmente (conforme alguns supõem a partir de Rm 8.28-39). Visto que Paulo em Rm 9-11 parece considerar tanto Israel quanto os cristãos como corporativamente eleitos, isto pode contribuir para que alguém interprete a perspectiva de Paulo da eleição quando a perseverança final está em vista na carta. Como em 1Co 10, a linguagem da eleição em Rm 11 é aplicada tanto a judeus (11.28f cf. 9.11; 11.5) como a cristãos (11.7 cf. 9.24ff; 10.20). Isto não significa, entretanto, que toda a linguagem da eleição em Rm 9-11 é completamente vazia de individualidade (cf. Rm 9.13, 19), mas que a individualidade parece estar inseparavelmente envolvida nas ilustrações (por exemplo, Esaú, Jacó, Faraó), as quais são usadas como um meio para tirar conclusões sobre alcançar a justiça pela fé ao invés das obras (9.30ff) e a rejeição e/ou salvação de grupos ou sub-grupos corporativos tais como o Israel étnico (por exemplo, 9.1-6; 10.18-21; 11.26ff), o Israel da promessa (por exemplo, 9.6-8), o remanescente (11.1-7), os cristãos gentios (por exemplo, 9.30 cf. v. 24; 11.13-22). A linguagem individual no texto aponta retoricamente a um clímax finalmente preocupado com o Israel corporativo no capítulo 11.

Nossa perspectiva sustenta que quando a eleição com o objetivo de perseverança final está em vista, Paulo parece estar falando de comunidades antes que de indivíduos. Isto é, a predestinação e eleição dos cristãos em Rm 8.29-30 pode estar baseada no pressuposto de Paulo de que a eleição para a perseverança final refere-se à eleição de uma comunidade antes que de indivíduos como tais. Paulo enfatiza o uso do plural e termos coletivos tais como “aqueles”, “muitos”, e assim por diante, para se referir aos cristãos em 8.28-39…. Como a comunidade cristã, o próprio Israel é chamado, eleito e amado de Deus (Rm 11.28-29; cf. 11.2), todavia muitos em Israel se apostataram de forma que, na época presente, eles não participam da experiência salvadora. A eleição corporativa de Israel está claramente em vista quando Paulo afirma que todo Israel será salvo no futuro “ainda não” (Rm 11.26). Todavia, no “agora” eschaton, Rm 11 (e 1Co 10) sugere que os indivíduos e subgrupos que fazem parte da comunidade eleita (seja judeus ou gentios) podem se apostatar e ser cortados da salvação (cf. Rm 11.22).

Se Paulo está falando sobre a garantia da eleição para a perseverança final em Rm 8.28-39, então esta promessa – como Rm 11 e 1Co 10 – pareceria estar firmada para uma comunidade antes que para indivíduos per se. Primeiro, como em 1Co 10, a tradição deuterocanônica está claramente evidente em segundo plano no argumento de Paulo em Romanos, especialmente nos capítulos 9-11. Nesta tradição, Paulo parece adotar uma visão corporativa da eleição (cf. Dt 7.6ff) ao mesmo tempo em que afirma que a apostasia pode acontecer aos indivíduos e sub-grupos (cf. Dt 13.1ff; 29.18-20).

Segundo, os cristãos em Roma que são chamados de acordo com o propósito de Deus são identificados como “aqueles que amam a Deus” (Rm 8.28). Paulo parece adaptar esta frase a partir da tradição deuterocanônica onde Israel é identificado como uma comunidade daqueles que amam a Deus e preservam seus mandamentos (Dt 5.10; 7.9;…). Paulo provavelmente não pretende sugerir que “aqueles que amam a Deus” sejam entendidos como uma mera designação… para os cristãos – a frase adquire a implicação adicional de que há uma responsabilidade entre o povo de Deus para demonstrar seu amor por Deus através da obediência. Deus trabalha para o bem com aqueles que são obedientes a Deus.

Terceiro, em Romanos é evidente que se um crente vive segundo a carne ou não continua em Cristo, ele ou ela pode se tornar eternamente separado de Deus (Rm 8.12-13 cf. 11.22; 14.13, 15, 23). Mas em 8.28-39 Paulo não considera se o pecado pessoal ou a incredulidade poderia finalmente interromper a relação salvadora de um cristão com Deus.[1] Por conseguinte, a promessa de uma perseverança final nesta passagem não necessariamente se aplica aos cristãos que seguem sua natureza pecaminosa. Em outras palavras, Paulo em 8.28-39 pode de fato afirmar que a comunidade coletiva de Deus é preconhecida, predestinada e eleita no eterno conselho de Deus e irá perseverar para a glorificação final.[2] Isto seria um grande conforto aos leitores de Paulo quando ele menciona as várias provas que os cristãos em Roma podem enfrentar. Os leitores, como indivíduos, poderiam tirar conforto nas promessas desta passagem, mas somente conforme são identificados como membros da comunidade cristã. A passagem concentra-se na comunidade cristã como eleita, não o indivíduo cristão. Uma pessoa que não é parte desta comunidade não tem nenhuma reivindicação às suas promessas.

Dessa forma, o uso de Paulo dos termos relacionados à predestinação e eleição em Rm 8.28-39 não dão nenhuma indicação necessária de que indivíduos genuinamente eleitos não podem finalmente apostatar-se. Parece que Paulo crê que Deus pode escolher, preconhecer e predestinar um povo eleito para a perseverança final ainda que membros individuais podem apostatar-se (cf. Rm 11). Alguns eleitos podem apostatar-se, talvez até mesmo muitos, mas nunca todos.

O pensamento de Paulo aqui é consistente com muitas tradições israelitas antigas que retratam a realidade de apostasias individuais e de sub-grupos dentro da comunidade eleita ao mesmo tempo em que mantêm a continuidade dessa comunidade como um todo. Em todo episódio da história da tradição de Israel, um remanescente fiel sobrevive após a ocorrência de apostasia e julgamento/expulsão (por exemplo, Dt 4.23-31). Paulo habitualmente cita ou ecoa as tradições judaicas como apoio confiável de seus argumentos, e para ele, há uma analogia entre Israel e os cristãos em relação à eleição (Rm 11; 1Co 10). Parece implausível que ele teria se distanciado tão completamente das pressuposições de sua herança judaica de forma que ele agora ensina que indivíduos que compõem o grupo eleito são cada um incondicionalmente preservados de forma a nunca ser capaz de apostatarem-se completamente.

Tradução: Paulo Cesar Antunes
http://www.arminianismo.com

Dr. William den Boer, professor de História da Igreja e História dos Dogmas, na Universidade Apeldoorn em sua fecunda pesquisa direcionada a teologia arminiana, ressalta um conceito arminianio anuviado por outros temas que permeiam o debate em torno da teologia de Jacobus Arminius, principalmente a questão do livre arbítrio. O conceito é o mesmo termo que deu o título para um de seus livros, a saber: Duplex Amor Dei, ou, amor duplo de Deus
Apesar de reformado, Dr Willian den Boer, procura desmistificar algumas ideias equivocadas sobre Arminius e sua teologia. De Boer destaca que a teologia arminiana é pouco estudada e consequentemente mal compreendida.
Em sua citada obra, ele defende, que e a preocupação central da teologia arminiana é destacar a justiça de Deus, apesar de ressaltar, que este tema não se desassocia de outros, estão todos interligados; o destaque ao livre arbítrio humano na teologia arminiana, surge como consequência a centralidade da justiça de Deus. Além de destacar a justiça de Deus, Armínius destaca que a escolha do pecado é do homem em sua completa liberdade para escolher, e, portanto, o mesmo é inteiramente responsável pelo pecado e suas consequências. Deus criou o homem com livre arbítrio, que se manteve após a queda. Percebe-se a justiça de Deus em sua permissão ao exercício da liberdade de escolha do homem. Este homem, em seu livre arbítrio, é inteiramente responsável por todo o pecado, e assim sendo, Deus não pode nunca ser o seu autor. O livre-arbítrio é essencial ao ser humano. Deus criou o homem com a capacidade de exercer escolhas e o trata de forma justa (entendendo por justiça como dar a alguém o lhe é devido). Sem liberdade real do homem, Deus seria o autor de tudo, inclusive o pecado e o mal.
Após a queda de Adão, Deus chama toda a raça humana para a participação numa Nova Aliança. Ele oferece a salvação para todas as pessoas, tendo sua justiça, fundamentada no sacrifício substitutivo de Cristo. Segundo Arminius, Deus em sua graça previniente, disponibiliza todos os meios necessários para que o homem, em sua liberdade, receba a salvação, sendo que o homem a recebe somente através da fé em Cristo, por intermédio da sua graça". Willian den Boer ressalta que na teologia de Jacobus Arminius, “Deus toma a iniciativa para a Nova Aliança. Ele vê no sacrifício vicário de Cristo a satisfação de Sua justiça, é Cristo que dá os meios da graça. O homem possui a livre vontade, e continuamente depende da graça Deus”. Arminius enfatiza que o homem é sempre responsável pela sua descrença, e a sua recusa em aceitar a oferta da graça de Deus, nesta ênfase desfaz-se da tese calvinista da predestinação absoluta. Predestinação incondicional em última análise, significa que as pessoas não têm nenhuma responsabilidade e que Deus seria a causa da incredulidade e do pecado. Crença e descrença seria uma necessidade, atribuída por Deus ".
Sobre os problemas que as pessoas vêm nas possibilidades escolhas do homem caído, De Boer afirma: "Mas Armínio salientou que a escolha do homem, realmente, nunca pode ser uma boa opção sem a graça de Deus.”, isso indica que o homem não tem mérito em sua boa escolha, ela sempre está atrelada a ação da graça de Deus. Normalmente os calvinistas sempre usam o termo "arminiano" em suas críticas aos evangélicos. Eles dão demasiada ênfase sobre "a escolha pessoal a Jesus, sem a ação da graça de Deus . "Isso não é o que Arminius tinha em mente", explica a diferença Den Boer, "Deus está sempre ativamente a encorajar as pessoas a escolher, sem a graça de Deus, seu o incentivo não estaria lá. Mas não há compulsão irressitivel de Deus, Deus, desta forma faz justiça à liberdade essencial do ser humano. Mas o homem não é um indivíduo autônomo que opta por Deus, o homem sem a graça não escolhe próprio bem ". Antes da queda, o homem percebia o bem com clareza, por que Deus, o Sumo Bem, não havia se afastado do homem, após a queda, o homem afetado, só escolhe o bem, com o auxílio da graça. Depois da queda, apesar de continuar com o seu livre arbítrio, ela jamais pode fazer uma escolha virtuosa pois só visualiza e conhecer o que é mal. Por isso, que só faz bom uso do seu livre arbítrio a partir da graça, que mostra a opção virtuosa ao homem.
O teólogo Holandes, também ressalta acertadamente que Armínius não era pelagiano como afirmam os calvinistas, destacando que Arminius considerava a nossa salvação depende da graça de Deus.

Em seu livro “Duplex Amor Dei. Características contextuais da teologia de Jacobus Arminius (1559-1609)”, Den Boer indica que Arminius acreditava que a doutrina da predestinação de Calvino, Beza e seus seguidores, assim como Gomarus, faz significar que Deus é o autor do pecado. É perceptível que a consequência final da doutrina da predestinação defendida no calvinismo é que Deus é o autor do pecado. Mas ao invés de pensar sobre isso, é dito que isto é entendido devido à estreiteza de nossas mentes. Arminius não aceitou essa justificativa. Sobre isto, citando apenas um exemplo, ele comentou que poderia ser declarado que Deus criou os homens à perdição, coisa que acreditava ser uma idéia contrário à justiça de Deus. Para evitar esse sentimento contraditório, Arminius destaca a justiça de Deus. A justiça de Deus se refletiu no seu amor duplo (duplex amor Dei "). O amor primário de Deus pela ação da sua justiça, demostrando ódio ao pecado e o secundário, em sua relação graciosa com a criatura humana. No conceito de duplo amor, Arminius segundo De Boer, se afasta da Teologia Reformada, na questão da relação entre o conhecimento de Deus e sua vontade. Na questão se o conhecimento de Deus existe antes da vontade de Deus, ou vice-versa, os Teólogos reformados ensinam que a vontade de Deus “é” antes de seu conhecimento. Em primeiro lugar, Deus quer o que os pecadores fazem, então ele sabe quem ele quer bem-aventurados. A Criação de Deus e a predestinação são dominadas por sua vontade livre e soberana. Claro que falamos aqui de uma forma humana, sabendo que o conhecimento de Deus está posicionado na eternidade e entendendo a complexidade desse assunto. Teologicamente falando, esse juízo é feito como organização ao pensamento.
Atrás da análise do amor de Deus está a questão da relação entre a essência de Deus e seus atributos. Deus e Seus atributos de perfeição são idênticos, mas em nossa compreensão, os vemos como propriedades diferentes. A distinção entre os atributos de Deus é uma distinção virtual – não real em si .
Os atributos de Deus não são os sentimentos de Deus. Justiça, bondade, amor e graça, são atributos de sua plenitude. O amor de Deus (Amor ") é a determinação de seu amor eterno, decretando que homem seja eleito para a salvação, pela graça de Cristo através da fé.

Deve-se considerar a manifestação do amor de Deus de duas formas, ou seja, um duplo amor de Deus: o primeiro deles é o amor à justiça [ou justiça], pelo qual Deus mostra o seu ódio ao pecado. O segundo é um amor pela criatura, é um amor pelo homem, segundo a expressão do apóstolo aos Hebreus: "Porque o que vem a Deus deve cer que Ele existe e que é galardoador dos que o buscam "(Hb 11:6).
Den Boer assim define o duplo amor: Arminius identifica o duplo amor de Deus como fundamento da religião em geral, e da religião cristã, em particular. A primeira e mais importante é o amor pela justiça, o segundo e subordinado amor, é para a humanidade. O último é subordinado, porque há uma coisa que o limita: o amor de Deus pela justiça. Em outras palavras, Deus pode amar uma única pessoa, quando sua justiça foi satisfeita com relação a essa pessoa.”

Lailson Castanha.....
Tecnologia do Blogger.